terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

A MULHER CUBANA NA PERSPECTIVA DO SOCIALISMO


por Maria do Carmo Luiz Caldas Leite[1]

A sociedade cubana não escapa às aceleradas transformações ocorridas no mundo, desde a segunda metade do século XX, que têm influenciado a vida familiar, marcadamente as questões relativas à autonomia da mulher, à redução da fecundidade às mudanças no relacionamento conjugal, ao acentuado número de casais divorciados, ao crescimento de lares monoparentais, que decorrem não apenas do pós-divórcio, mas também do aumento do número de mães celibatárias. A família cubana gravita em torno da mulher, podendo se caracterizar como sendo de base matrifocal.
Para tal, mais do que derrubar tabus e barreiras machistas, foram introduzidos  novos  conceitos. Muitas das políticas implementadas nasceram com a Federación de Mujeres Cubanas –a FMC – fundada em 23 de agosto de 1960. Articulada como base da união de todas as organizações femininas revolucionárias de Cuba, na luta emancipação pela mulher, a Federação é dirigida aos movimentos sociais integrados, com ênfase nos setores de saúde, educação e emprego, necessários para concretizar políticas específicas dirigidas à mulher. Em Cuba, não há discriminação com relação a salários e confinamento a empregos tradicionalmente de mulheres, como a feminização do magistério. Como parte destas conquistas, o aborto foi legalizado em 1965.
Na alvorada do novo milênio, as mulheres cubanas representavam:
    44% da força laboral do país 
    66% da força técnica qualificada.
    58 % das matrículas universitárias
    31% das Assembléias de Poder Popular
    36% do Parlamento Nacional
  Na expressão de qualquer pensamento progessista, há décadas está claro que somente o trabalho poderá garantir uma independência concreta aos seres humanos, independentes do gênero. É pelo trabalho que a mulher vem diminuindo a distância que a separava do homem na sociedade cubana. Entretanto, a incorporação da mulher ao mundo laboral está estreitamente vinculada à atenção dada infância, que em Cuba tem início no primeiro trimestre de gravidez. O Código da Família de 1975, renovado em 2003, estabelece a responsabilidade compartilhada entre mãe e pai para proteger, cuidar e preparar os filhos para a vida. A trabalhadora gestante está na obrigação de cessar suas atividades laborais ao completar trinta e duas semanas de gravidez, ou trinta semanas no caso de gêmeos, e tem direito à licença de dezoito semanas, compreendidas seis antes do parto e doze após. Uma vez concluída a licença pós-natal, a mãe e o pai poderão decidir, em comum acordo, qual deles cuidará do filho e a forma como distribuirão as responsabilidades, até completar o primeiro ano de vida da criança, devendo comunicar a decisão conjunta e o pedido de licença remunerada, de um deles, por escrito, à administração do centro de trabalho de ambos. Se a mãe trabalhadora decidir incorporar-se ao trabalho, terá para comparecer ao centro assistencial pediátrico. O pai ou a mãe de menor de idade com disfunção física ou mental tem direito à licença remunerada até que a criança complete dois anos. As atenções à gestante, dentre outros cuidados, permitem que Cuba apresente a taxa de mortalidade infantil de 5,8 por mil nascidos vivos, número que ocupa o segundo lugar nas Américas, apenas superado pelo Canadá.
As crianças, ao ingressarem na educação primária, em geral, receberam atendimento no sistema pré-escolar. A organização da educação infantil é feita com base nas instituições formais, os chamados “Círculos Infantis”. Em Havana há 418 círculos infantis e as estatísticas mostram que nos primeiros quarenta anos do período revolucionário foram criadas 1.107 instituições de educação formal para menores de seis anos em todo o país. Dentro da educação não-formal, no programa ‘Educa a Tu Hijo’ os pais têm a possibilidade de obter as informações necessárias para conseguir melhor educação, caracterizada pelo desenvolvimento das capacidades e potencialidades das crianças. Esse programa é organizado pela comunidade e funciona em local adequado e escolhido por essa. É frequentado pelas crianças duas vezes por semana, durante duas horas, e nele, juntamente com os adultos responsáveis pelas crianças (geralmente a mãe que não trabalha ou a avó), são promovidas atividades entre os alunos das escolas formais e do projeto não formal.
Segundo dados da Unesco[2], o estado Cuba atende 89,9% de todas as suas crianças em idade de educação infantil, o maior índice dos países latino-americanos. De acordo com as idades, a média, entre os menores até três anos, é de seis crianças para cada adulto. Para as demais crianças, nos outros grupos, a proporção é de dois adultos, uma professora e uma auxiliar pedagógica por turma de 25 crianças. As instituições são administradas pelos conselhos populares em que participam direção, representante dos pais, representantes das organizações de massa, um médico e duas enfermeiras, que trabalham diariamente atendendo crianças, adultos e comunidade. Na busca de um homem novo, pela reapropriação da natureza humana, a família cubana, centrada na figura da mãe, é entendida como espaço marcante de realização, desenvolvimento e consolidação das relações sociais, pois é nesse contexto que as crianças aprendem, sobretudo, competências relacionais básicas, tais como: partilhar, ouvir, saber pedir, negociar, lidar com amigos e com inimigos, aprender com os outros, obter a aceitação do grupo e a noção de coletivo. Na raiz do pensamento de José Martí, “educação da mulher garante e anuncia os homens que dela hão de surgir, desenvolvidos no calor do lar”.
Mais do que demandas estreitas e imediatas, estas batalhas fazem parte da luta maior contra a exploração do seres humanos por seres humanos, firmadas sob uma nova perspectiva, negando a suposta fatalidade biológica que contribuiu para circunscrever a mulher às funções femininas, vistas como subalternas, estreitamente ligadas ao lar, à reprodução e à família, drasticamente desvalorizadas por serem consideradas economicamente improdutivas. No discurso desterritorializado sobre a emancipação feminina, da confrontação de idéias emergem dois paradigmas: um idealizado com toda carga de expectativas e sonhos, e o outro, construído no limite das condições humanas e no âmbito das dificuldades de várias ordens. No dizer de Fidel Castro:
“A experiência cubana demonstra que o desaparecimento do capitalismo não implica no desaparecimento automático da discriminação de gênero, o que confirma a necessidade de impulsionar a revolução das mulheres dentro da revolução socialista, através de um processo cultural, educativo e político”.

Maria do Carmo 
Luiz Caldas Leite


[1] Professora de Física, mestre em Educação, autora da pesquisa desenvolvida nas escolas em Cuba: http://grabois.org.br/portal/noticia.php?id_sessao=24&id_noticia=653
[2] UNESCO. Educación para todos, el imperativo de la calidad: informe de seguimiento da la EPT en el mundo. Paris: Organización de las Naciones Unidas, 2005. 

2 comentários:

  1. Grande pesquisa. Belo material.
    Vale a pena refletir acerca do tema.
    Um abraço

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  2. Muito bom mesmo seu material.Muito claro e completo!
    Tenho procurado algumas informações específicas sobre relações familiares em Cuba e me deparei com seu texto:
    "O Código da Família de 1975, renovado em 2003, estabelece a responsabilidade compartilhada entre mãe e pai para proteger, cuidar e preparar os filhos para a vida".

    Você tem alguma indicação ou informação do que está prescrito para o caso de pais que não podem assumir a responsabilidade do cuidado para com os filhos?Casos bem extremos mesmo como de adoecimento mental e etc. Me disseram a respeito de "filhos da pátria", as crianças tomadas pelo Estado para criação...sabe me ajudar em algo?
    Um abraço e, novamente, parabéns pelo trabalho!
    Carolina Claret

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